domingo, 3 de janeiro de 2010

Bicicleta X Metrô: O marketing da hipocrisia

Sou carioca e circulo pela cidade de bicicleta há mais de 15 anos. Não sou o ciclista mais aparamentado da cidade, mas minha bicicleta tem os piscas traseiro e dianteiro, buzina e luz de freio. Ando sempre pela direita da rua e vocifero o código de trânsito - que me garante o direito de circular no asfalto e ser protegido por veículos maiores - a ônibus e motoristas de passeio mal informados.
Como estou trabalhando num local que me toma mais de 1 hora de deslocamento via pedal, resolvi tentar o serviço oferecido pelo Metrô: transportar minha bike da zona norte à sul da cidade sem fazer pit stop em C.T.I. ao final do percurso.
O Metrô oferece o serviço aos sábados (a partir das 14h) e domingos e feriados durante todo o dia. Resolvi fazer o teste no sábado.
Como fui trabalhar cedo, tomei coragem e suei na magrela por 1h10m até o Leblon. Na volta contornei a orla até a estação Cantagalo.
O serviço oferecido é tão recente e desconhecido que ao entrar no metrô com a bicicleta me senti um pouco como um astronauta e cheguei a fazer um check up das vestimentas pra garantir que nenhum pedaço de "pele" estivesse visível. Tudo OK.
Chegando nas roletas encontrei uma adaptação para passar as bicicletas rente ao chão (e evitar distribuir bordoadas com a roda traseira em outros passageiros). Adaptação tosca, diga-se de passagem: uma das grades foi serrada de forma que meu pneu traseiro passou perfeitamente pela fresta. SÓ o pneu... A suspensão dianteira não passou nem por decreto e o auxiliar do metrô, percebendo meu problema, prontamente me deu de costas e foi conferir algo mais importante na sala de segurança. Como meu cansaço era maior que a paciência, coloquei a bicicleta no ombro e lá fomos nós pela roleta. Nesse momento o rapaz mostrou um interesse repentino pela minha pessoa e me passou um sermão amigável "por favor, na próxima vez passe a bicicleta pela grade". Ao que eu repliquei "a suspensão da minha roda dianteira não passa por ali". Ele: "era só chamar que eu abria a cancela". Seria prático, se o mesmo não tivesse ignorado minha chegada com a bike 1 minuto antes....
Chegando à plataforma, de novo a sensação de ser um astronauta. Mas dessa vez percebi olhares incomodados. Era como se eu fosse um catador de lixo esperando o metrô com meu carrinho à frente. Me dirigi pro final da plataforma, onde encontrei o adesivo no piso indicando o vagão de "carga". Veio o metrô e foi o metrô... Ele não parou no local indicado! Como a composição tinha menos carros, tive que dar uma corridinha leve pra alcançar meu vagão... e disputar lugar entre olhares crucificadores.
Encostei no fundo do carro com a bike como se fosse um adolescente dando uns amassos na namoradinha. O carro enchendo e barrigas alheias apertando o selim, costelas batendo no guidão e a sensação de ser o errado da estória só piorando.
A voz informa: "Estácio. Estação de transferência para linha 2". Depois de cutucar e pedir uns 5 "com licença" fui parido para a plataforma. Bike ao ombro, lá foi o mutante descendo a "escadaria da Penha" até a plataforma da linha 2. Ali eu já não era mais mutante, eu era um louco fugindo do hospício. Olhares incrédulos e risinhos contidos. Nenhuma indicação no piso sobre a posição do carro para ciclistas. Passei por uma montanha com uniforme do Metrô e walkie-talkie que ignorou solenemente a mim e a bicicleta . Fui até o final (ao menos eu achava que fosse...) da plataforma disputar lugar na multidão. Inseguro quanto ao lado em que o trem pararia, fui perguntar a um funcionário que papeava com seu camarada se aquele era o final da estação. Não era. O trem chega naquele momento e lá vou eu correndo "aos passos" e empurrando a magrela pelo outro lado da plataforma. O condutor deve ter tido pena de mim (ou achado graça) e parece ter me esperado entrar com a bicicleta no vagão surpreendentemente vazio. Encostei na porta direita e esperei minha estação chegar.
Ao chegar nas roletas de saída, nenhuma adaptação para sair com a bicicleta pela grade. Aliás, nenhum funcionário à vista para ao menos me guiar por mímica de dentro do aquário de observação...
Resumo da estória: o Metrô inova ao permitir que ciclistas se lancem à própria sorte pelos obstáculos de seus trens e estações e garante uma viagem com mal estar e total falta de assistência. Sobra propaganda e faltam medidas reais para garantir uma viagem tranquila a pessoas que queiram passear com suas magrelas pela cidade. Ainda bem que nossa cidade não foi escolhida para sediar nenhum evento importante nos próximos anos! Já pensou o caos que seria?

PS: mas a penitência não é tão grande. Por enquanto é só aos fins de semana e feriados....